Os textos [das "Notícias em Três Linhas"] são por muitos considerados como um dos primeiros exemplos, senão o primeiro exemplo, dessa sub‑espécie narrativa que dá pelo nome de micro‑conto, embora não sejam mais do que «breves» publicadas no jornal Le Matin, em 1906 por um enigmático literato chamado Félix Fénéon. Poderiam assim ser introduzidos; poderiam, só que o objecto é muito mais complexo do que se revela à primeira vista.
A complexidade começa com o próprio autor, um homem fundamental na vida literária francesa da viragem para o século XX, que publicou, incentivou e promoveu imensos autores (de Rimbaud, Lautréamont, Mallarmé e Laforgue, até James Joyce, passando por Tolstoi, Gide, Proust, Valéry, e tutti quanti), mas que de si próprio não deu à estampa qualquer obra e que certamente não aspirava a fazê‑lo.
(...)
Não escreveu romance nenhum (...). De resto, solicitado no fim da vida para publicar os vários e desvairados textos que deixara pelas revistas em que colaborara, negou‑se, declarando que queria o silêncio. Outros o publicaram (o primeiro dos quais Jean Paulhan), assim como ele publicara outros.
Quem era Félix Fénéon? Era Félix Fénéon, nascido em Turim, Itália, a 22 de Junho de 1861 e morto em Châtenay-Malabry, França, a 29 de Fevereiro de 1944. À parte isso, foi funcionário público exemplar (e distinguido e no Ministério da Guerra!), e, ao mesmo tempo anarquista (e preso e julgado por isso), crítico de arte (defensor e patrono dos neo-impressionistas e dos nabis, agente de Matisse e de muitos outros pintores, coleccionador de obras de arte), praticamente responsável máximo da principal revista literária de fins do século XIX e princípios do século XX (La Revue Blanche), e, enfim, jornalista, galerista e editor.
Era um dandy, sempre impecavelmente vestido, de cabelo curto e cara rapada, à excepção de uma pêra à Tio Sam. No início da vida, levava uma vida dupla – ou tripla –, visto que, sendo ordeiríssimo funcionário público, semeava com os seus escritos a discórdia nas famílias artísticas, defendendo, contra o gosto público, os neo-impressionistas na pintura e poetas como Rimbaud, Verlaine ou Mallarmé na literatura.
Quer nos relatórios burocráticos que escrevia, quer nos seus artigos, era senhor de uma escrita «castigada», como dizem os franceses, concisa, elíptica e refinada. Nunca foi homem de muitas palavras, mas as que escolhia, escolhi‑as sempre rigorosas, surpreendentes e sublimadas.
Manuel Resende, excerto do Prefácio de "Notícias em Três Linhas".
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